sábado, 4 de fevereiro de 2017

Pequena história de Nossa Senhora de Lourdes, Parte I




(retirada do livro "As Grandes Aparições de Maria" de Ingo Swann)

Em 1858, a fama da grande aparição em La Salette já completara 12 anos e fazia dez anos que o imperador Napoleão III estava no poder. Para surpresa de muitos, embora exercesse poder ditatorial direto e ninguém ousasse contrariá-lo, ele se mostrava uma força inspiradora.

Sob seu governo, a França alcançou rápido progresso material. A construção de estradas de ferro foi fomentada e, pela primeira vez, redes ferroviárias começaram a unir a nação em um todo interligado. Cidades foram reconstruídas. O imperador em pessoa replanejou Paris e orientou a construção dos bulevares amplos e dos parque espaçosos agora bem conhecidos. Napoleão autorizou os primeiros bancos de investimento, a expansão das construções deu emprego a milhares de pessoas e a economia prosperou. No princípio, as especulações estrangeiras de Napoleão também foram bem-sucedidas e o Segundo Império parecia estar a caminho.

Santa Catarina Labouré ainda não morrera e o público ainda não conhecia sua história completa. A fama de La Salette parecia segura e ninguém imaginava que outra aparição, mais notável que aquela, logo fosse ocorrer. Portanto, os franceses ficaram atônitos quando, em fevereiro de 1858, começaram a se espalhar rumores entusiasmados de que Nossa Senhora estava de volta e, de novo, em um lugar de que poucos tinham ouvido falar.

Lourdes situa-se na região Bigorre do sudoeste da França, nas encostas setentrionais dos Pirineus, a admirável cadeia de montanhas entre a frança e a Espanha. O lado francês dos Pirineus recebe chuvas abundantes e sempre foi famoso pelo lindo cenário, as torrentes caudalosas chamadas gaves e a abundante água mineral. Havia tempo que muitas das fontes minerais tinham se transformado em balneários elegantes nos quais os ricos se reuniam e, com isso, traziam dinheiro e empregos. Contudo, em toda parte, ainda existia pobreza, uma pobreza assustadora.

A cidadezinha de Lourdes não possuía uma fonte de água mineral e, portanto, estava privada de qualquer esperança de benefícios econômicos. Mesmo assim, parece que era uma cidade idílica nas margens do Gave de Pau, ligadas pela torrente Lapacca, no lado oposto do qual estavam o hospital e a escola das Irmãs de Nevers.

No frio dia de inverno de 11 de fevereiro de 1858, três garotinhas mal vestidas saíram da cidade e atravessaram uma ponte para chegar ao promontório rochoso que, na ocasião, estava cercado pelas águas geladas do Gave de Pau.

Foram lá catar gravetos e galhos para queimar e ossos descartados para fazer sopa, embora outros antes delas já tivessem feito o mesmo. As três estavam bastante desnutridas.

Na extremidade oeste do promontório, mas do outro lado da torrente menor, existia um penhasco chamado Massabielle. O rochedo tinha uma área oca, citada como caverna ou gruta, diante da qual havia um pouco de mato e uma roseira silvestre quase morta. A menina mais velha foi até lá catar alguns gravetos.

Quando as outras duas garotas foram procurá-la, viram-na ajoelhada diante da gruta, com o rosto voltado para cima. Correram até ela, pensando que estivesse machucada. Encontraram-na paralisada, com os olhos dilatados, e não conseguiram mover-lhe os braços. Apavoradas, começaram a gritar.

A garota paralisada era Bernadete Soubirous, que dali a duas semanas se transformaria, de maneira defensável, na maior vidente de todos os tempos  e a caverna simples se tornaria a mais notável e majestosa gruta da história. Em 12 dias , o pobre lugarejo de Lourdes, com menos de trezentos habitantes, seria invadido por mais de vinte mil romeiros e, um mês depois, por cinqüenta mil.

                                                                                      

Os primeiros anos de Bernarde-Marie Soubirous, conhecida na história simplesmente como "Bernadete", foram de pobreza assustadora e penosa. Ela nasceu em 7 de janeiro de 1844, primeira dos oito filhos de François e Louise Soubirous, no moinho Boly, onde o pai trabalhava e a família vivia.

Quando ela estava com 8 anos, o pai perdeu a visão do olho esquerdo em um acidente no moinho e dois anos mais tarde, quando Bernadete tinha 10 anos, foi demitido do moinho, de onde a família foi expulsa. Isso forçou-os a viver em pobreza cada vez mais extrema.

Ainda aumentando, a família Soubirous foi ajudada por um parente distante, um certo Sajous, que era pedreiro e permitiu que morassem em uma casa térrea, uma "gaiola de pedra cheia de umidade", chamada "masmorra", porque antes era a cadeia do lugar.

Em 1855, houve uma epidemia de cólera na região Bigorre dos Pirineus e Bernadete adoeceu. Muita gente morreu, mas ela se recuperou, embora pelo resto da vida sofresse gravemente de asma. A fome também acompanhou a epidemia. Como alimento de um dia inteiro, a família às vezes tinha de compartilhar um pão, ou um pedaço de um pão, ou pão nenhum, e uma sopa aguada, às vezes feita com ossos catados nas ruas ou nas cercanias da cidade. Obviamente desesperado, François Soubirous foi preso por roubo, mas as acusações foram retiradas.

A família começou a sofrer privações tão duras que a lareira estava sempre apagada. Jean-Marie, o menino mais velho da família, foi apanhado na igreja local, onde tentava comer a cera macia das velas, e o prelado ameaçou mandá-lo para a cadeia. Em fevereiro de 1858, a família estava passando fome. Bernadete, que estava sempre tossindo e ofegante, tinha 14 anos e não sabia ler nem escrever.

                                                                                      

A aparição a Bernadete Soubirous está muito bem documentada, na verdade, excessivamente documentada  e isso significa que existem várias versões. A própria Bernadete escreveu quatro versões, cada uma delas um pouco diferente das outras em pequenos detalhes, a primeira em 1861, depois que aprendeu a ler e escrever.

Em suas próprias palavras, o que Bernadete viu primeiro, no meio da gruta, foi uma "luz suave", que notara em duas outras ocasiões em que viera catar coisas. Desta vez uma "linda moça" apareceu dentro da luz suave. Quando a linda moça acenou para Bernadete, esta "ficou amedrontada e não respondeu". Entretanto, todas as fonte concordam que as duas companheiras a encontraram ajoelhada e em êxtase. Uma das garotas era irmã de Bernadete e a outra a fuxiqueira Joana Abadie. As duas meninas sacudiram-na até que Bernadete voltou a si e lhes contou o que vira.

                                                                                      

A caminho de casa, aparentemente Bernadete encontrou outra irmã e mais uma vez contou ter visto a bela moça dentro da luz suave. A irmã contou à mãe. Joana Abadie espalhou pela cidade que Bernadete tivera uma visão e estava maluca. Por causa disso, diversas moradoras vieram informar-se com sua mãe. A mãe de Bernadete ficou muito contrariada e o mesmo aconteceu com o pai. Bernadete foi proibida de voltar a Massabielle. E por precaução, como aviso, talvez como demonstração para as mulheres curiosas, a mãe "bateu" nas duas meninas por "contarem mentiras". Porém, na tarde seguinte, Bernadete mencionou o assunto ao sacerdote no confessionário e lhe pediu para contar ao pároco, padre Peyramale, que não mostrou interesse.

No domingo, 14 de fevereiro, Bernadete deu um jeito de conseguir a permissão do pai para voltar a Massabielle com as mesmas duas garotas. Outras sete a acompanharam. Mas, desta vez, levaram água benta. Bernadete ajoelhou-se diante da gruta, rezou e logo viu de novo "Aquero que, no dialeto Bigourdan local, significa "aquela". Desta vez, ela aspergiu a Senhora com água benta, o que, aparentemente, fez Aquero sorrir.

Nesse momento, Joana Abadie, que subira no alto de Massabielle, acima da gruta, empurrou para baixo uma grande pedra que caiu perto de Bernadete. Mas Bernadete estava paralisada, em êxtase, e já não respondia aos gritos das companheiras.

As meninas não conseguiram despertar Bernadete e entraram em pânico. Duas ou mais correram à vila, onde pediram ajuda a um moleiro local que voltou com elas e carregou a inconsciente Bernadete, "que sorria para algo que ninguém mais via", até seu moinho, onde ela aos poucos recobrou os sentidos.

Enquanto isso, Joana Abadie mais uma vez espalhou mexericos por toda a cidade. A mãe de Bernadete ficou abaladíssima e  muito preocupada com a sanidade mental da filha. O sentimento predominante no lugar era de desaprovação e, na segunda-feira, depois das aulas, zombaram e caçoaram de Bernadete na rua e uma mulher que ela não conhecia deu-lhe um tapa por "encenar comédias".

Mas uma senhora abastada, que às vezes contratava sua mãe como criada, interveio e, por sua influência, ficou acertado que levariam Bernadete de novo à gruta, bem cedo no dia seguinte, terça-feira, 16 de fevereiro. Desta vez deram lápis e papel para Bernadete pedir a Aquero que escrevesse seu nome.

                                                                                      

Terça-feira cedo, Bernadete visitou a gruta pela terceira vez, mas agora acompanhada de um grupo muito maior de pessoas em silêncio, que se acotovelavam para chegar a pontos convenientes na beira do rio em frente ao rochedo de Massabielle. Algumas dessas testemunhas levavam terços, provavelmente para afastar o mal.

Bernadete ajoelhou-se e entrou em "transe". Ninguém além dela viu nada, mas, apesar disso, dois adultos próximos pediram-lhe para não se esquecer de perguntar o nome de Aquero. Em transe, Bernadete mandou que ficassem quietas. Depois de algum tempo, Bernadete saiu do transe, sem ter obtido o nome.

Quando lhe perguntaram por que, Bernadete respondeu: "Eu lhe perguntei, mas ela disse que não era necessário". Depois de alguns momentos de silêncio interrompido por murmúrios das testemunhas ali reunidas, Bernadete falou: "Mas ela me disse: 'Quer ter a bondade de vir aqui durante 15 dias? Não prometo fazê-la feliz neste mundo, mas no outro'".

A aparição sem nome tinha falado! E falou deste mundo e do outro! Assim começou o que às vezes é citado como a "quinzena de aparições", em número de 15 ou 16, dependendo da fonte consultada. É certo que a aparição seguinte foi a quarta.

E também é certo que quando Bernadete aproximou-se novamente da gruta, estava acompanhada de cem ou mais pessoas. Quando a notícia da aparição se espalhou, toda a população de Lourdes ficou interessada, com um número considerável de "atraídos" dos lugares vizinhos.

No meio dessa quinzena, o número de pessoas reunidas ultrapassava oito mil e a certa altura o acotovelamento era de tal magnitude que soldados armados tiveram que escoltar Bernadete até a caverna  então e para sempre chamada "a gruta".

Continua...

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